Em Odisseia, poema épico escrito por Homero há quase 3 mil anos, é contada a história de Ulisses e suas aventuras durante a Guerra de Tróia. O que muita gente esquece é que o poema também conta a história de Telêmaco, filho de Ulisses e Penélope. Em um trecho do primeiro livro do poema, Penélope tenta interferir na escolha do tema do discurso que seria proferido na noite. Telêmaco a impede, dizendo que “discursos são coisas de homens, de todos os homens, e meu, mais de que qualquer outro, pois é meu o poder nessa casa”.
Ler isso soa absurdo a cada um de nós, e nem precisamos falar em empoderamento feminino para isso: todos entendemos que um adolescente proibir a fala de sua mãe dessa forma é, no mínimo, absurdo. Porém, o que acontecia naquela época ainda se assemelha muito ao que acontece hoje. Homero falava em um tempo em que tornar-se homem estava diretamente ligado a se apropriar do discurso, ser ouvido e silenciar as mulheres.
Uma mulher que se posicionasse ou posicionava em público, não era, por definição, uma mulher.
O resultado disso é a forma que nós, mulheres, ainda somos vistas como ocupando um lugar que não nos pertence. Pense em todas as expressões que usamos quando falamos dessa ocupação: “rompendo barreiras”, “tomando o poder” ou “lutando”. Te parecem comuns? Claro. Ainda pensamos nas mulheres como intrusas ultrapassando limites e ocupando lugares que não são seus.
Se existe um padrão cultural e estrutural que funciona para inviabilizar mulheres em espaços de poder, é preciso mudar a estrutura, e mudanças como o direito de ocuparmos cargos públicos claramente não são suficientes.
Segundo o Mapa Mulheres na Política 2019, análise produzida pela ONU em 193 países, o Brasil ocupa a posição 134 em representatividade feminina. Em Divinópolis, o cenário é especialmente ruim. Contamos com apenas 5 vereadoras em toda nossa história política, e a Câmara atual possui apenas uma mulher, a vereadora Janete Aparecida. 5% da Câmara, numa cidade em que 53% dos eleitores são mulheres.
Alguns (do time dos mais otimistas, que enxergam o copo sempre meio cheio) podem dizer que os tempos estão mudando e que marchamos a passos largos rumo a um futuro de igualdade. Entretanto, vale lembrar que, até o fim do ano passado, quando essa vereadora se pronunciava, ela era apresentada como representante da “bancada do batom”. Ora, faz todo sentido: se os tempos estão mudando, as formas de descredibilizar mulheres também estão. Se hoje é impossível proibir a fala de uma mulher no espaço público, a descrebilização e o não levar a sério ganham força.
Enquanto isso, todo o resto se enfraquece. Permanecemos uma cidade pobre em políticas públicas de proteção à mulher, silenciando 53% da nossa população. Telêmaco aprovaria.