Sou uma entusiasta da Ciência. Num momento como esse, em meio à uma pandemia, vale reforçar a importância de ouvir o que dizem os cientistas do mundo. Pensando nisso, resolvi trazer para vocês um compilado de informações do que há de mais alto nível sobre a hidroxicloroquina nas pesquisas.
Porém, antes de falarmos sobre isso com mais calma, vale tentar entender um pouco mais, de forma simplificada, sobre o método científico e sobre o primeiro experimento controlado com substâncias. No século 18, o escocês James Lind era o médico responsável por um navio da marinha britânica em missão no Canal da Mancha. Alguns marinheiros adoeceram de escoburto, uma doença que causa fraqueza, cansaço e gengivas inflamadas. James decidiu separar os pacientes em duplas, e cada uma foi “tratada” com substâncias diferentes. Um dupla tomou vinagre, outra cidra, outra ácido sulfúrico, outra água do mar, e outra, 2 laranjas e um limão. A última dupla se recuperou, afinal, o escorbuto é causado pela falta de vitamina C . Mas a comunidade científica da época sequer sabia que essa vitamina existia. Alguns anos depois, o suco de frutas foi inserido definitivamente na dieta dos marinheiros. Para além disso, o trabalho de Lind foi o primeiro ensaio clínico com grupos comparativos em condições experimentais de ambiente e tempo controladas, e, apesar de ter se sofisticado, é nesse preceito que a Ciência caminha até hoje. Pensar nesse processo é importante para que lembremos que Ciência não é feita a toque de caixa. Drogas não são descobertas do dia para a noite, e mesmo as que já existem, como a Cloroquina, não ganham um atestado de segurança e eficiência só porque queremos – desesperadamente – que assim sejam.
Tendo tudo isso na ponta da língua, sigamos.
Em maio foram publicados 4 estudos de relevância sobre a droga. O primeiro, publicado na The New England Journal of Medicine analisou 1376 pacientes com COVID-19 que estavam hospitalizados. 811 foram tratados com hidroxicloroquina nas primeiras 48 horas (fase inicial, como deseja o governo federal), enquanto 565 não foram tratados com o medicamento. Entre os pacientes tratados, 32% foram intubados ou morreram, enquanto apenas 15% dos não tratados tiveram o mesmo fim. A administração da Hidroxicloroquina, portanto, não impactou positivamente o tratamento, e pode inclusive ter sido prejudicial.
O segundo, publicado na Journal of American Medical Association (JAMA) avaliou 1438 pacientes com COVID-19 hospitalizados em Nova Iorque, e concluiu que o tratamento com Hidroxicloroquina, Azitromicina ou a combinação de ambos não reduziu a mortalidade dos pacientes.
O terceiro foi publicado no British Medical Journal, realizado com 181 pacientes da COVID-19 ou de Síndrome respiratória aguda grave (SRAG) que já estavam precisando de oxigênio para respirarem, mas ainda não estavam em tratamento intensivo. Segundo o estudo, o tratamento com hidroxicloroquina não alterou a taxa de sobrevivência, a necessidade do uso de oxigênio e nem a data média de alta no hospital.
No Brasil, uma pesquisa organizada pela Fiocruz com 81 pacientes mostrou que doses mais altas do medicamento podem estar relacionadas ao aumento da letalidade.
Tantos resultados negativos são mesmo um soco na boca do estômago, especialmente para quem acreditou em toda a propaganda do governo americano e brasileiro sobre a hidroxicloroquina. Apesar disso, a do primeiro país deixou de ser feita devido aos péssimos resultados da droga em estudos.
No Brasil nosso presidente não parece disposto a mudar o tom do discurso. Diz abertamente que não existem provas da eficácia do medicamento, mas vale tudo para tentar conter a doença. Percebam: tomar ácido sulfúrico, (como os marinheiros de James Lind tomaram) provavelmente elimina o coronavírus. Mas as consequências, vocês já sabem.
Sei que todos estamos de saco cheio. Estamos temerosos por nossos empregos, estressados por ficar em casa (ou por ter que trabalhar e se expor à riscos, no caso dos profissionais de serviços essenciais) e com saudades de quem amamos.
Vivemos uma crise de saúde urgente, uma crise econômica se instalando e uma crise política completamente desnecessária.
Justamente pelo nível de exaustão mental e física, todos queremos um remédio ou uma vacina. O que importa é termos novamente as rédeas das nossas vidas, não é? A questão é que dificilmente a vida voltará ao normal tão cedo. Mesmo cidades que estão planejando a reabertura do comércio, como Belo Horizonte, o fazem com limitações: uso de máscaras, limite de pessoas por ambiente e horários alternativos.
Enquanto isso, na ausência de uma droga e uma vacina, só a testagem em massa pode nos ajudar – o que é bem desanimador, como mineira e divinopolitana, haja vista nosso percentual de testes: 10% e 18% dos casos notificados, respectivamente, como abordado no último artigo que postei aqui.
Sigamos. Não será fácil, mas permanceremos unidos.
Fontes:https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2012410
https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2766117
https://www.bmj.com/content/369/bmj.m1844 https://portal.fiocruz.br/noticia/doses-altas-de-cloroquina-nao-sao-indicadas-pelo-estudo-clorocovid-19